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Paixão, Perseverança e Garra segundo Angela Duckworth

O ano era 2017. Eu estava nos bastidores da HSM Expo em São Paulo.

O backstage de um evento, principalmente desta magnitude, é totalmente diferente do que as pessoas sentadas em suas cadeiras vêm pelo outro lado do palco. Era um ambiente caótico. Era escuro. O som que vinha dos palestrantes se apresentando no auditório principal chegava abafado, por vezes era cortado por aplausos. Computadores, cabos e monitores se misturavam aos magos da equipe técnica, que andavam de um lado para o outro para garantir a perfeita ordem do espetáculo.

Mas eu não estava ali exatamente por conta das engrenagens técnicas do evento. Eu estava atrás das cortinas junto com os grandes amigos Francisco Milagres e Marconi Pereira para, em alguns instantes, adentrarmos ao palco e anunciar o evento da Singularity University, que aconteceria dali a um ano.  

Enquanto esperávamos o momento de nossa apresentação, percebemos todos uma comoção no ambiente. Uma movimentação além do comum nos chamou a atenção. Pessoas mais esbaforidas que o normal, olhares direcionados e celulares filmando uma figura que entrava pelos fundos, tentando, inútilmente, alguma discrição.

Era Michael Phelps, o maior nadador da história, que iria também se apresentar ao público naquela tarde. Com trinta e sete recordes mundiais, acumulando 28 medalhas olímpicas, um gigante de aspectos sobre humanos passou a alguns metros de nós, sob olhares incrédulos de pessoas boquiabertas.

Por mais que você já o tenha visto em vídeos, ou mesmo em competições, posso garantir que vê-lo de perto me foi muito mais surpreendente. Presenciar sua estatura no esporte, testemunhar de perto sua envergadura em grandes feitos, me proporcionaram um maravilhamento comparável a um adolescente diante de seu ídolo.

Naquele instante, enquanto Phelps passava sob uma chuva de flashes, algumas perguntas surgiram em minha mente e provavelmente na mente de todos que estavam ali: Como Michael Phelps, um ser humano como eu e como você, conseguiu alcançar feitos tão extraordinários? Como conseguiu se destacar tanto de seus adversários e marcar seu nome na história de forma tão grandiosa? Teria sido uma questão de sorte recorrente? Teria Michael Phelps aproveitado melhor as oportunidades que a vida lhe ofereceu? Teria nascido com um talento extraordinário que o transformou num fenômeno inalcançável?

Epifanias

Bem antes de meu encontro inesperado com Michael Phelps, uma premiada professora sino-americana de psicologia já estudava como alguns comportamentos humanos podem determinar ou prever o sucesso de indivíduos. Seja em âmbito acadêmico, profissional ou de atletas de alta performance como Phelps.

Trata-se de Angela Duckworth. Uma mulher, cuja aparência serena esconde dezenas de experimentos que sustentam suas teorias relacionadas à coragem, entusiasmo e obstinação. Estudos que aprofundam o entendimento de algo que no Brasil ficou conhecido como “garra”.

Angela iniciou sua carreira como uma consultora bem sucedida atendendo projetos estratégicos de grandes empresas globais. Seu trajeto ao sucesso estava sendo traçado desde pequena, através de uma educação bastante rigorosa oferecida por seus pais, de origem asiática. 

Aos 27 anos, no entanto, a jovem profissional, seduzida pelos mistérios da mente e das potencialidades humanas, pivotou sua carreira, tornando-se professora. Ensinando matemática para jovens da 7ª série passou a observar o desempenho de seus alunos com olhares mais aguçados, fazendo-se perguntas semelhantes às que me fiz diante de Michael Phelps, desta vez orientadas a seus pequenos aprendizes. Porque alguns alunos eram mais bem sucedidos que outros? Seria uma questão de sorte, inteligência inata? O que determinaria o sucesso daqueles indivíduos?

Àquela altura, Angela já entendia que o Quociente de Inteligência, parâmetro utilizado por décadas para avaliar habilidades cognitivas, não seria exatamente o indicador de sucesso de seus alunos. Definitivamente, o QI não era um critério para indicar os melhores alunos. Ela descobriu, através de provas vivas à sua frente – e de inúmeros experimentos acadêmicos – que não era o QI que determinaria o sucesso ou fracasso de um indivíduo. Ela entendeu que aquelas crianças (e todos nós) não tinham suas trajetórias ou destinos pré definidos por um índice numérico de inteligência. Ou por sua condição social, recursos financeiros, aptidões intelectuais ou físicas ou quaisquer outros fatores… Muito pelo contrário, aquelas crianças (e todos nós) poderiam aprender através do esforço e da dedicação.

Reconhecimento de padrões

A nova professora aprofundou seus estudos em psicologia, neurociência e neurobiologia, em meio a experimentos de campo e conversas com renomados especialistas. Mapeou e conectou insights de dezenas de estudos e estruturou suas próprias pesquisas e métodos. Foi a campo em busca de cenários desafiadores onde pudesse descobrir quais os fatores que fariam alguém ser bem sucedido.

Passando por professores que atuavam nas escolas mais difíceis dos Estados Unidos, que precisavam engajar crianças desmotivadas, até vendedores corporativos pressionados por metas crescentes em mercados vorazes, Angela começou a identificar alguns padrões que tornaram-se a base de sua obra intelectual.

Investigou de perto a trajetória de cadetes na Academia Militar de West Point em busca de respostas que a levassem a entender (e provar) porque alguns pretendentes, muitas vezes mais fortes física e mentalmente, abandonavam o curso. Enquanto outros indivíduos, aparentemente menos aptos, conseguiam concluir as duras rotinas militares e lograrem êxito em suas jornadas.

Angela conduziu estudos profundos entre crianças e jovens que se propunham a vencer populares concursos de soletração. Sempre em busca de entender como e porque alguns pequenos jogadores, comparáveis a atletas de alta performance, se destacavam dentre tantos outros, muito mais talentosos. 

A pesquisadora confirmou suas teorias de que não são as habilidades especiais que levam um indivíduo ao sucesso. Não se trata de talento. Havia algo mais em jogo.

Segundo Angela, sem esforço nosso talento não passa de potencial não concretizado. Sem o esforço sua habilidade não passa de algo que você poderia ter feito, mas não fez.
Concluiu que o que leva uma pessoa a ser bem sucedida não é um dom, mas a conjunção entre ‘paixão’ e ‘perseverança’ orientados a objetivos de longo prazo.

Um indivíduo apaixonado pelo que faz, que não desiste facilmente e se mantém por muito tempo perseguindo seu grande objetivo, possui este incrível atributo (e também um novo indicador de sucesso) chamado Garra.

Passo a passo, estudo a estudo, descoberta a descoberta, Angela Duckworth nos brinda com sua ciência em seu estado da arte, para nos ajudar a entender melhor os caminhos até o sucesso.

O fracasso não é permanente

Além de não serem os os mais talentosos os que alcançam o sucesso, Angela Duckworth afirma  quase de forma quase contra-intuitiva, que o talento (sim, o talento!) pode atrapalhar nossas performances. Ao longo de seus estudos, ela testemunhou inúmeros gênios talentosos que não foram até o fim em seus compromissos, pois se sentiram conformados em suas condições e foram brecados pelas inevitáveis derrotas da vida.

Uma frase atribuída a Winston Churchill diz que: “Sucesso é ir de fracasso em fracasso sem perder o entusiasmo”. As descobertas parecem corroborar esta citação, já que, segundo ela, os não-gênios esforçados lutam mais que os gênios acomodados, até alcançarem o êxito.

Os não-gênios esforçados perseveram diante de um revés, entendem que fracasso não é uma situação permanente. Os não-gênios esforçados conseguem desenvolver a garra e manter, dia após dia, por anos e anos, o foco no futuro. São resistentes, resilientes, obstinados e determinados. Conseguem trabalhar muito para tornar reais seus grandes objetivos.

Assim como Carol Dweck, reconhecida pelos estudos relacionados à Mentalidade de Crescimento – Growth Mindset -, Angela concorda que as pessoas com garra não entendem o fracasso como uma situação permanente. As pessoas com garra demonstram uma incrível capacidade de aprendizagem através do esforço.

Ao contrário dos pessimistas, que em pesquisas acadêmicas atribuem suas derrotas a causas permanentes e genéricas (e se paralisam por isso), os indivíduos com garra são otimistas e estão dispostos a seguir em frente. Atribuem suas derrotas a causas temporárias e muito específicas, mais fáceis de serem superadas que causas abrangentes e incontroláveis. Por isso entendem o fracasso como algo pontual e passageiro que pode ser superado através do esforço.

Mas Angela é enfática ao afirmar que não basta se esforçar aleatoriamente. Para desenvolver e alcançar a garra é necessário ter um método…

A tríade da garra

“O que não me mata me torna mais forte”. Angela discorda parcialmente desta frase, supostamente dita por Nietzsche. Ela acredita que não é o sofrimento que nos fortalece. Precisamos aprender com as duras lições sofridas.

Apenas sobreviver às dificuldades não forja vencedores. Se esforçar aleatoriamente e buscar displicentemente objetivos, e seguir sempre em frente, não garante maiores índices de garra.

Uma pessoa apaixonada por corridas, que corre 10 km por dia, por 10 anos não se tornará necessariamente um atleta de alta performance. Da mesma forma que um funcionário bem intencionado, que nunca falta um dia de trabalho, não se tornará necessariamente o presidente da empresa. A não ser que consigam evoluir, crescer e melhorar em suas atividades de forma consciente e consistente.

Para tanto é preciso que adotem uma abordagem que Angela chama de Prática Disciplinada, identificada em suas pesquisas como o método usado por pessoas com garra que o fazem através de 3 atributos bem definidos que se sucedem ciclicamente.



O primeiro deles diz respeito à ‘Intenção’. Os grandes experts, não exatamente os gênios, mas os não-gênios esforçados, com grandes níveis de garra, têm extrema clareza de onde querem chegar no longo prazo. Conseguem definir sua grande meta, assim como as sub-metas necessárias para alcançar seus principais objetivos. Mais que isso, entendem em que medida cada escolha de sua vida o aproxima de sua grande conquista. E são flexíveis para encontrar os melhores caminhos, sempre rumo ao seu grande propósito. Ou seja, têm um nível extraordinário de precisão sobre onde querem chegar e que caminho devem seguir.



A partir da intenção, as pessoas com garra assumem o modo de ‘Prática’. Mas não uma prática aleatória e descompromissada. Trata-se de uma prática com 100% de foco. Os indivíduos que alcançam seus grandes objetivos conseguem concentrar toda a sua energia e atenção aos momentos em que exercitam seus dotes. Por vezes alcançam o estado de flow e acabam por não perceber o esforço envolvido. Mas o que Angela sugere é que a prática consciente das habilidades em desenvolvimento, com a percepção nada confortável do esforço envolvido, é que leva ao terceiro e mais importante componente da tríade da garra.  



É chegado o estágio mais difícil, segundo Angela. O momento do ‘Feedback’. É a etapa em que o esforço se transforma em evolução. Uma etapa que nos exige a humildade para percebermos nossos próprios erros e pontos sensíveis a serem melhorados. É a fase onde somente os indivíduos com garra (de fato) absorvem as críticas e refletem sobre como podem fazer melhor e se tornar melhores no que fazem. Um momento importante que vai retroalimentar seu ciclo de Prática Disciplinada, fazendo-os reavaliar os próximos passos que devem ser dados rumo ao grande objetivo. E assim criar uma curva de aprendizagem, que no longo prazo pode fazê-lo alcançar resultados surpreendentes.

A fórmula dos campeões?

As obras de Angela Duckworth nos trazem evidências bem consolidadas e amparadas pela metodologia científica. Disseca com maestria as engrenagens que compõem grandes expoentes, nos esportes, nas artes, nos negócios e na vida. Suas investidas trazem também a clareza de que o caminho do sucesso é árduo. 

A soma de paixão e perseverança, orientada a objetivos de longo prazo, provavelmente ainda ficará restrita aos indivíduos capazes de alcançar a clareza de saberem onde querem chegar e tomar as melhores decisões sobre quais os melhores caminhos para isso.

O êxito permanecerá reservado àqueles que se dedicarem e praticarem com foco, por muito e muito tempo. Àqueles que busquem a perfeição, que embora inalcançável, os mantém em movimento.

A garra de Angela Duckworth será sempre dos apaixonados que não desistem de seus longínquos propósitos, que perseveram e crescem em suas dificuldades.

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Desistir não é uma opção

A Prática Disciplinada, apesar de entendida, ainda é algo sofrível. Ninguém duvida que os melhores alunos das escolas de cadete estudadas por Angela passaram por processos dolorosos e exigentes. Assim como também é inegável o sofrimento pelo qual passaram os jovens participantes que chegaram mais longe nos concursos de soletração, os professores que enfrentaram com êxito as escolas mais desafiadoras dos Estados Unidos.

Muitos dos segredos por trás de Michael Phelps, que me despertou uma surpreendente admiração há alguns anos, estão no seu nível de garra. E certamente, neste exato momento, há inúmeros atletas treinando para alcançá-lo. Não duvido que um dia o alcancem. Provavelmente estão trabalhando duro, aprendendo com seus erros e acumulando aprendizagens que, no longo prazo, podem transformá-los nos novos campeões.


E enquanto não surge um novo fenômeno do esporte, você e eu podemos continuar usando nossa paixão, somada à perseverança. Não para sermos tão extraordinários como Phelps ou seus próximos rivais, mas para sermos melhores versões de nós mesmos.

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1 comentário em “Paixão, Perseverança e Garra segundo Angela Duckworth”

  1. Me identifiquei muito com este artigo na medida em que “vencer” situações adversas com empenho para manter o otimismo e a esperança.
    A reflexão permanente parece ser um mecanismo importante envolvido, diretamente na condição aqui deniminada “garra”. Resgato, neste momento, um pensador estadunidense chamado Donald Schon que estudou a díade reflexão/ação, concluindo que há 3 tipos de refexão: 1.A reflexão na ação (ocorrendo, logicamente, durante a ação); b. reflexão sobre a ação (busca por identificar gaps e potencialidades) e; c. reflexão sofre a reflexão na ação (com vistas a transformações e conhecimento).
    Gostaria de assinalar, entretanto, o campo de pesquisa de Angela na busca por resgatar a realidade brasileira dentro da qual os suportes sociais de acesso aos bens s serviços são tão desiguais. Será possível acreditar e esperançar diante da fome e da desigualdade? Ser verdadeira a assertiva de que as camadas sulbalternizadas seuqer sabem o que as condiciona?
    Gratidão.

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