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Hugh Herr: Mais forte, mais rápido e mais humano


Há algumas semanas a mídia foi invadida por notícias sobre os novos feitos prometidos pela Neuralink, sociedade comercial neurotecnológica fundada por Elon Musk, que desde 2016 vem estudando e desenvolvendo interfaces para conectar humanos a computadores.

As aspirações da empresa são, no curto prazo, criar dispositivos para tratar doenças cerebrais graves. E tem como objetivo final o aperfeiçoamento humano.

O alarde midiático se dá pelo evento a ser realizado no dia 28 de agosto. As especulações são variadas, mas o que se espera é a demonstração em tempo real de tecnologias que em breve estariam integradas diretamente ao corpo humano.

Um chip implantado no cérebro seria capaz de resolver uma diversidade de problemas: desde a perda de audição, visão e movimentos, até doença de Parkinson, ansiedade e depressão. Os caminhos possíveis são ainda mais vastos, e Elon especula a possibilidade 

de microcontroladores atuarem em grupos musculares e restaurarem movimentos em pessoas com lesões na medula espinhal.

Esta notícia reabriu a discussão em torno do conceito de singularidade, adotado em diversos campos do saber. Está na Física, Matemática e Tecnologia e assume, portanto, inúmeras interpretações.

Um destes entendimentos, capitaneado por Ray Kurzweil, um dos futuristas mais aclamados dos últimos tempos, e adotado também pelos representantes da Singularity University, refere-se ao momento no qual a tecnologia ultrapassará a inteligência humana, trazendo mudanças colossais e irreversíveis para a nossa civilização. Ainda dentro desta linha de pensamento, a singularidade também está associada ao (ainda incrível) processo de fusão entre seres humanos e máquinas. Algo como a integração entre a evolução biológica e a evolução tecnológica, que daria origem aos organismos cibernéticos (cyborgs, ou cyber organisms), onde não mais seria possível distinguir humanos e máquinas.

Este cenário de criaturas híbridas, que parece distante de nossas realidades, pode estar mais próximo do que se imagina. E as exibições da Neuralink daqui a algumas semanas talvez tragam ainda muitas surpresas.

No entanto, existem algumas histórias, que começaram antes das atividades inovadoras de Elon Musk, que merecem ser contadas. Sobretudo por se tratarem de algo muito além da pura tecnologia.


Hugh Miller Herr, um americano nascido em 1964, era um garoto normal e passou sua adolescência dedicando-se ao montanhismo. A escalada era sua paixão juvenil, e como todo jovem se colocava diante de grandes desafios.

No dia 22 de janeiro de 1982, aos 17 anos, Herr e seu amigo Jeff Batzer foram à New Hampshire para escalarem as encostas geladas do Monte Washington. Durante o percurso foram surpreendidos por uma nevasca. Perderam a orientação e entraram acidentalmente em um abismo remoto. Acabaram tomando o lado errado da montanha.

Totalmente perdidos e sem sapatos de neve, enfrentaram o frio por dias. Os dois jovens alpinistas estavam à beira da morte por hipotermia. Haviam perdido toda a esperança de sobreviver e entre preces e lamentações chegaram a conversar sobre a morte, que parecia certa.

Mas, surpreendentemente foram encontrados por uma socorrista dos Apalaches Mountain Club. Resgatados de helicóptero, foram enviados a tempo ao hospital. Mas sofreram sequelas que marcariam suas vidas.

Batzer sofreu amputação de uma perna, um pé e os dedos de uma mão. Hugh, por sua vez, teve as duas pernas amputadas abaixo dos joelhos. Um resultado que parecia significar não apenas uma perda terrível, mas também o fim de sua promissora carreira de escalador.

Foto: Acervo Hugh Herr // Hugh Herr sem as pernas, após o acidente em 1982

3,5 Segundos

Mais de 30 anos depois, no dia 15 de abril de 2013, Adrianne Haslet, uma talentosa dançarina de nível internacional, fazia parte da multidão que assistia a Maratona de Boston. O que seria mais um dia de lazer em sua vida se transformou em terror quando duas bombas feitas com panelas de pressão explodiram perto dela, próxima à linha de chegada. Em 3,5 segundos três pessoas morreram. Ela e outras 263 ficaram feridas.

Após uma semana no centro cirúrgico e uma recuperação muito dolorosa, a vida de Adrianne não seria mais a mesma. Sua perna esquerda foi amputada, o que, infelizmente também poderia significar o fim de sua carreira. 

Foto: Daily Mail // Adrianne Haslet no hospital após o atentado que a mutilou em 2013

Pernas cibernéticas, dignas da ficção científica

As vidas do alpinista Hugh Herr e da dançarina Adrianne Haslet se cruzaram em aspectos que iriam muito além das amputações e das dores sofridas pelo trauma. Algo mais os aproximaria, e a recusa ao sentimento de impotência seria o primeiro elo de conexão entre eles. Um movimento que estava se iniciando e os faria compartilhar o palco do TED em sua edição de março de 2104, em Vancouver.

À época com 49 anos, Hugh Herr ocupou o tapete vermelho da conferência e iniciou sua fala trazendo mensagens muito distantes do jovem alpinista acidentado. Começou falando sobre como a natureza vem influenciando os cientistas no desenvolvimento de materiais sintéticos. Trouxe profundos conceitos sobre genética e medicina regenerativa. Fez com maestria uma introdução de como a ciência poderia ocupar a lacuna entre a ‘incapacidade’ e a ‘capacidade’. Como a tecnologia seria capaz de fazer o ser humano resgatar e atingir todo o seu potencial. 

Expôs suas ideias com coerência e propriedade pois havia se tornado um pesquisador de renome, mestre em Engenharia Mecânica pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology) e Doutor em Biofísica pela Harvard University. Mais que isso, no palco do TED ostentava duas pernas cibernéticas, computadorizadas, dignas da ficção científica. 

Foto: TED // Detalhe das pernas cibernéticas de Hugh Herr no palco do TED em Vancouver, 2014

“Eu não me enxerguei como uma pessoa derrotada”

Ele continuou contando sua trajetória após o acidente. Disse que se recusou a se sentir derrotado e que aquele não seria seu fim. Acreditava que a tecnologia poderia suprir suas necessidades. Ao invés de encerrar as suas atividade como alpinista, ele enxergou uma nova “tela em branco” onde poderia criar novas realidades. Dito e feito. Desenvolveu membros especialmente projetados para escala. Adaptou ferramentas em suas próteses que permitiram melhorar sua performance ao escalar a rocha e o gelo. Retornou ao esporte mais forte, mais rápido e melhor.

Desde então vem aprofundando seus estudos para expandir suas descobertas para o mundo. Hoje Hugh Herr é co-diretor do Center for Extreme Bionics no MIT Media Lab, onde constrói joelhos, pernas e tornozelos protéticos que fundem biomecânica com microprocessadores para restaurar (e talvez melhorar) a marcha, o equilíbrio e a velocidade de amputados. É pioneiro nesta nova classe de próteses e órteses inteligentes. Estuda e desenvolve equipamentos bio-híbridos para melhorar a qualidade de vida de milhares de pessoas com desafios físicos. E acredita que, através de implantes neurais, poderá ajudar muitos outros tipos de deficiência. Poderá fazer paralíticos voltarem a andar e cegos voltarem a enxergar.

Hugh apresenta a revolução que vem liderando e explica os segredos presentes neste tipo de equipamento. Uma espécie de pele sintética projetada por softwares poderosos, com variação contextual de rigidez, que permite um novo padrão de conforto. Mecanismos extremamente sofisticados que oferecem movimentos ultra otimizados. Interfaces elétricas que possibilitam que os computadores internos que regulam o sistema entendam com precisão o movimento desejado pelo usuário.

Em meio a vídeos e imagens de seu processo de desenvolvimento, ilustra os milagres tecnológicos com pessoas que testaram esse tipo de equipamento. E surpreende o público quando faz, ele mesmo ali no palco, a primeira demonstração pública de uma marcha de corrida sob comando neural. Movimentos fluidos e precisos que arrancam aplausos da plateia. 

Mas o melhor ainda estava por vir.


Tecnologia e Arte

Neste ponto, Hugh Herr menciona o caso da dançarina Adrianne Haslet. 

Numa emblemática comparação, diz que 3.5 segundos tiraram Adrianne das pistas de dança (fazendo referência ao tempo das explosões do atentado em Boston). Mas que em 200 dias, ele e sua equipe no MIT haviam trazido de volta os movimentos para que ela voltasse a dançar. Foi este o tempo necessário para estudarem a fundo os movimentos específicos executados pelos dançarinos e os princípios da dança. 

Confirmaram também que a biônica defendida do Hugh Herr fosse algo mais que tornar pessoas mais rápidas e mais fortes. Asseguraram que a tecnologia estava trazendo de volta a expressão de uma artista, a sensibilidade de um ser humano. 

Adrianne entra no palco triunfante como alguém que, assim como Hugh, se recusou a se sentir derrotada. Um grande sorriso, então, ilumina a primeira apresentação de dança de Adrianne depois do ataque que a mutilou.

Dança graciosamente, amparada por uma prótese que parecia fazer parte de seu corpo original. A música cresce e a performance arranca ainda mais aplausos da plateia. Faz descer lágrimas da própria Adrianne e de quem mais se permitiu emocionar pelo momento.


Ray Kurzweil, o arauto das tecnologias exponenciais, diz que a singularidade está próxima. É uma questão de tempo. Segundo seus estudos, em 25 anos teremos computadores mais poderosos que o cérebro humano.

No entanto, os 18 minutos da palestra de Hugh Herr foram o suficiente para, além de conhecer atributos tecnológicos incríveis, conectar histórias inspiradoras de duas pessoas com origens distintas. Que se uniram por um infortúnio da vida, e que por causas muito nobres e sensíveis nos fazem refletir sobre o que nos torna humanos de verdade.

A jornada de Hugh Herr pela democratização deste tipo de tecnologia e o ativismo de Adrianne Haslet que se tornou uma defensora global dos direitos dos amputados, nos traz a mensagem que todos têm o direito de viver sem deficiência. Todos têm direito a uma vida livre e sem barreiras. Todos têm o direito de andar, correr, dançar e expressar seus talentos.

A feliz comunhão entre tecnologia, humanismo e arte, nos confirma que todos nós podemos recusar o sentimento da derrota. Que existem muitas alternativas para transcender as deficiências e que não precisamos aceitar nossas limitações.



A palestra de Hugh Herr com a apresentação de Adrianne Haslet em 2014 pode ser vista aqui. The new bionics that let us run, climb and dance (legendas em Português)


Hugh Herr também se apresentou na edição TED 2018. Sua palestra pode ser vista aqui. How we’ll become cyborgs and extend human potential (legendas em Português)

Foto destaque: Divulgação Hugh Herr

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