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David Kelley e a Confiança Criativa


Há exatamente 10 anos atrás, eu estava envolvido numa das maiores empreitadas pessoais e profissionais da minha vida. Um projeto que traria influências decisivas para minha trajetória, para minha família e tantos outros desconhecidos.

No ano de 2010 eu e um grupo de amigos estávamos no olho de um furacão chamado TEDxRio. Experimentamos um gigantesco entusiasmo em trazer as aclamadas palestras de 18 minutos ao Brasil. À época ainda eram novidade, e o poder das “ideias que valem ser espalhadas” (ideas worth spreading) nos fez ignorar nossas limitações e seguir adiante. Naquele tempo nenhum dos integrantes do time principal tinha qualquer experiência na produção de eventos, mas nossas forças interiores e muito, muito, trabalho duro, deram origem a uma franquia que reverberou pela comunidade global do TED durante muitos anos.

O sucesso da primeira edição abriu espaço para outras instâncias que seguem até hoje, já sob a liderança de outro grupo. Mas eu, cada integrante do time, cada parceiro, cada pessoa que participou de alguma forma deste processo, levamos aprendizados, que, como disse, influenciaram nossas vidas em diversas dimensões. Ninguém que tenha participado deste processo, acredito, ficou isento de suas influências. Como dizemos internamente: “Foi épico!”

Nos meses que antecederam nosso primeiro evento, num curto espaço de tempo, um mundo de novas formas de pensar se abriu diante de meus olhos. Numa revolução pessoal, descobri o verdadeiro poder do conhecimento, a pujança inspiradora das novas ideias me arrebatou. Tive contato com pensadores incríveis que traziam conceitos de transformação, que carrego comigo, e busco aprimorar, até os dias de hoje.

Um desses conceitos é o “Design Thinking”, que ouvi pela primeira vez em uma das reuniões de curadoria. Em 2010, um termo muito recente no mundo, praticamente desconhecido no Brasil. Uma expressão que nunca havia escutado, mas que, como num estalo, acendeu uma chama de interesse, como se já existisse dentro de mim há muito tempo. Estudei a fundo esta abordagem, que assumi como uma bandeira pessoal por sua proposta transformadora muito mais ampla do que se imaginava na época.

Um verdadeiro caso de epifania.

Um sentimento que expressa a súbita sensação de entendimento ou compreensão da essência de algo.”

Foto: Primeiro time TEDxRio em 2010 – Marco Brandão, Rossana Giesteira, Marconi Pereira, Andre Bello e Fernando Gouvea

A proposta transformacional e ampla do design não era novidade. Herbert Simon, prêmio Nobel de Economia em 1978 e um gênio em diversas outras áreas, dizia que: “Design é conceber cursos de ação com o objetivo de transformar situações existentes em situações preferidas.” Ou seja, design é criar projetos conscientes para a transformação de realidades.

A grande novidade do Design Thinking era trazer esta proposta para o campo estratégico dos negócios e, posteriormente para questões de impacto social. Sempre com uma visão centrada no ser humano.

Esta abordagem nasceu com a crise conhecida com a Bolha da Internet, por volta do ano 2000. A partir destas tensões econômicas, numa reunião em 2003, os irmãos David e Tom Kelley juntamente com Tim Brown conceberam o termo “Design Thinking”, preconizando conceitos do design para recuperação de empresas acometidas pela crise.

Como nomes fortes no campo da inovação, David, Tom e Tim instituíram uma nova forma de olhar para os negócios. O cunho criativo, colaborativo e centrado no ser humano começou a trazer resultados para os novos problemas do mundo. Em 2005, o Design Thinking viria se tornar disciplina acadêmica em Stanford, no Instituto de Design Hasso Plattner, também conhecido como d.School. E de lá ganhou o mundo.

Mais que uma mera abordagem metodológica, este movimento trouxe novas provocações sobre como um líder deve pensar e agir. A popularização da criatividade, que hoje parece quase corriqueira, nasceu de um árduo trabalho para a desmistificação de habilidades que antes eram atribuídas somente a pintores, escritores e designers. Um processo que, num contexto predominantemente racional, trouxe um holofote sobre a importância do pensamento criativo como elemento fundamental para a adaptação e sucesso nos negócios. E que vem alçando a criatividade hoje como uma poderosa e profunda força de influência na sociedade, nos negócios e na vida das pessoas.

Algo que David Kelley chama de Confiança Criativa.

Foto: Tom Kelley, David Kelley e Tim Brown – Cunhadores do termo “Design Thinking”

David Kelley nasceu em 1951 no Estados Unidos. Homem de negócios, empreendedor, professor em Stanford. No cenário do design é emblematicamente reconhecido como um dos fundadores da IDEO, uma mundialmente reconhecida empresa de design e consultoria em inovação, fundada em Palo Alto, em 1991. Suas décadas de trabalho dedicadas a processos criativos acumulam histórias tão inusitadas quanto dramáticas.

Com infinitos workshops ministrados sobre design e incontáveis projetos corporativos em seu portfólio, David Kelley diz que, em se tratando de jornadas de inovação, seus projetos, por padrão, chegam a um ponto confuso e pouco tradicional. Uma encruzilhada onde se exige um pensamento fora do convencional. Ele se diz muito familiarizado com uma situação recorrente neste ponto dos projetos, muitas vezes entre líderes de grandes empresas. Exatamente nesta ocasião, no momento de se pensar diferente, super executivos acostumados a lidar com negócios multimilionários mostram extremo desconforto. Levantam-se da cadeira, pedem desculpas e saem da sala sob o pretexto de fazer ou atender uma ligação inesperada. 

Mas quando questionados, finalmente dizem: “Eu não sou do tipo criativo…”


Brian e o cavalo de argila

Exímio storyteller, David Kelley usa parábolas para explicar o que acontece com pessoas que se auto-excluem de processos criativos. Ele diz que se lembra de um fato acontecido há muitos anos com um amigo chamado Brian, quando ambos eram crianças e cursavam a 3a sér

Estavam em uma aula de escultura, cada aluno com um punhado de argila fazendo suas obras de arte. Brian escolhera modelar um cavalo. Estava entusiasmado em sua concepção, sorriso nos lábios diante de sua representação pessoal de um animal de quatro patas, rabo e crinas esvoaçantes. No entanto, a euforia de Brian foi por terra no momento em que uma menina se aproximou e disse, implacável: “Isso é horrível! Não se parece com um cavalo!”. Envergonhado, Brian amassa seu punhado de argila, devolve à caixa de materiais e cristaliza em sua mente que, definitivamente, não é uma pessoas criativa. Um bloqueio comum entre muitas pessoas, que aumenta conforme a idade avança e faz com que homens e mulheres deixem de se enxergarem como imaginativos, inovadores, inventivos.

David Kelley não acredita que existam pessoas não criativas. Segundo ele (e todos os especialistas no assunto) nascemos e somos todos criativos. Diz isso com a propriedade de quem já destravou esta habilidade em muitos executivos. Num processo de aproximação e incentivo cadenciado, garante que após romperem seus bloqueios pessoais, atingem resultados criativos fantásticos. Se surpreendem com suas capacidades e alcançam ainda outros benefícios…


O encontro com Albert Bandura

Para corroborar sua tese, costuma recorrer aos estudos de, segundo ele, um dos maiores psicólogos do mundo. Albert Bandura, o qual teve o prazer de conhecer pessoalmente e se apropriar de suas pesquisas para explicar a questão da confiança adquirida através dos processos criativos. Colegas em Stanford, Kelley procurou o especialista para uma consulta sobre fobias. Buscava relações entre o medo de ser julgado e os bloqueios criativos
Bandura era reconhecido por curas rápidas em pessoas com fobias profundas. Através de um processo chamado Domínio Guiado, Bandura conduzia uma aproximação gradual de seus pacientes aos objetos que lhe provocavam medo. Segundo seus métodos, pacientes com fobia de cobras, por exemplo, são submetidos a pequenos passos de aproximação, transformando o medo em familiaridade. Até o ponto que, não só chegam a tocar nas cobras, como apreciar sua beleza e carregá-las no colo. Mais que isso, além do fim de suas fobias pontuais, após o processo os pacientes descrevem uma sensação de extrema confiança e capacidade de realização. Uma convicção conhecida como autoeficácia.

David Kelley relata um sentimento catártico e libertador ao conhecer as pesquisas de Bandura. Sobretudo por comprovar cientificamente o que vinha estudando de forma empírica durante tanto tempo. As consequências positivas de pessoas que, após uma  vida de tentativas e fracassos, conseguem se libertar de bloqueios criativos, não só desenvolvem a criatividade, mas mudam a forma que pensam sobre si mesmas. O desbloqueio criativo diminui condições de ansiedade e oferece novos níveis de confiança para a vida como um todo. As pessoas se sentem mais capazes, poderosas e protagonistas. Algo como a impressão de que podem mudar o mundo.

Foto: O Psicólogo Albert Bandura / Divulgação

A criatividade vence a luta

Da mesma forma que o entendimento do Design Thinking, há 10 anos, me despertou olhares transformadores e trouxe novos rumos para a minha vida (e de quem o tenha experimentado), na mesma época, a Confiança Criativa de David Kelley talvez tenha salvado sua vida.

Em 2007 David Kelley sentiu algumas ínguas no pescoço e procurou um médico. Foi diagnosticado com câncer do tipo maligno, com 40% de chance de sobrevida. Como de se esperar, este tipo de situação traz inúmeros questionamentos sobre nossa existência, e com David não foi diferente. Ele relata que nos momentos de introspecção, inúmeras perguntas surgiam em sua mente. “Vou sobreviver?” “Como será a vida de minha filha sem mim?”

Mas pensava também em outras coisas. Pensava sobre porque havia sido colocado na Terra, qual seria sua função no mundo, sua vocação.

Otimista como somente um criativo poderia ser, ele diz que nesses momentos se sentia felizardo por ter tantas opções, já que como designer havia trabalhado com saúde, bem estar, educação e numa infinidade de projetos pelo mundo. E diante de tantas alternativas, ele decidiu e se comprometeu a, caso sobrevivesse, ajudar o maior número possível de pessoas a conquistarem suas capacidades criativas perdidas ao longo do caminho.

Concluiu que sua missão era fazer com que as pessoas atinjam o que Bandura chama de autoeficácia. Para que possam realizar o que estão determinadas a fazer. Que possam resgatar, definitivamente, a sua Confiança Criativa.

Felizmente David Kelley se curou, continua vivo e criativo. Talvez seu propósito e seu desejo tenham trazido as forças necessárias para vencer a luta contra o câncer.

Foto Destaque: David Kelley – Divulgação

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