Pare! Pare o que você está fazendo agora.
Olhe ao seu redor. Veja como o mundo é. Talvez você esteja em frente à sua mesa de trabalho. Ou talvez você esteja em deslocamento para um compromisso importante. Ou mesmo aproveitando alguns momentos de ócio para consumir novas ideias.
Olhe ao seu redor. Perceba as coisas como elas são. Os livros na estante, as plantas no jardim. Seus filhos correndo pela casa ou colegas de trabalho concentrados nas tarefas do dia a dia. Há, neste instante, uma infinidade de mensagens chegando a você, que dizem como o mundo é, como o mundo está.
Nesse contexto, nosso desafio sempre foi interpretar as mensagens do ambiente para garantir nossa sobrevivência, de nossas carreiras, negócios, organizações e de nossas próximas gerações.
Há 200 mil anos em desenvolvimento, nós, os sapiens, observamos ‘o mundo como ele é’.
Mas, ao longo de nossa história, algo mais nos fez diferente de outros animais. Não somos os mais fortes ou os mais rápidos da natureza, mas mesmo assim atingimos um patamar de desenvolvimento diferente das demais espécies que compartilham o planeta conosco.
Alguns atributos nos destacaram e se combinaram numa intrincada teia de habilidades. Fatores não somente individuais, mas também coletivos. Conseguimos resgatar e manter acesos improváveis comportamentos empáticos de nossos antepassados. Assim como nos perpetuamos através de condutas colaborativas sofisticadas e flexíveis. Nos diferenciamos dos demais animais por nossa admirável habilidade imaginativa e nossa capacidade de abstração. Que, associadas à capacidade de criar o novo, nos permitiu perseguir novas realidades.
Agora pare mais uma vez e olhe ao redor.
Mas desta vez, não somente veja ‘como o mundo é’…
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A ascensão dos humanos
Em junho de 2015, Yuval Noah Harari subiu ao palco do TED Global em Londres. Estava ali para falar sobre evolução, história e humanidade. Dava continuidade a sua obra autoral, talvez uma das mais aclamadas de nossa época, através de uma trilogia iniciada em 2011 com a publicação de Sapiens – Uma Breve História da Humanidade.
Harari provocou a plateia sobre quais seriam os motivos pelos quais os seres humanos teriam conquistado o topo da cadeia evolutiva, ocupando o posto de controlador do planeta. Uma questão, de certo modo, capciosa. Uma indagação que nos induz a refletir sobre os possíveis fatores individuais dos homens e mulheres que há algumas dezenas de milhares de anos eram seres tão corriqueiros quanto o resto da natureza.
Harari escondia por trás desta pergunta um toque de genialidade. Nos trouxe a primeira surpresa de sua fala ao afirmar que os motivos que nos levaram à primazia humana não seriam nossas capacidades individuais. Seria, no entanto, uma questão complexa a ser enxergada sob o ponto de vista da coletividade.
Embora, como veremos a seguir, os macacos tenham muito a nos ensinar e não seria exatamente uma vergonha sermos semelhantes a ele, Harari diz que “no âmbito individual, somos vergonhosamente semelhantes a um chimpanzé”. Ele sustenta que individualmente somos inferiores aos macacos (e tantas outras espécies), sendo nossa vantagem adaptativa uma intrincada teia colaborativa, que no conjunto da obra nos fez chegar onde estamos hoje.
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Aparentes fragilidades escondem grandes vantagens
Imagine, por exemplo, o nascimento de um bebê humano, em comparação com o nascimento de um bebê equino. A égua, ao dar a luz a seu filhote, o faz de uma forma aparentemente mais eficaz que uma mulher. Após o trabalho de parto, em alguns minutos, o pequeno potro, mesmo que ainda cambaleante, já atinge um grau de autonomia incomparável ao que ocorre com nós, humanos. O pequeno potro, e tantos outros seres, nascem prontos para fugir de seus predadores.
O ser humano, em contraponto, precisa de anos de assistência direta da mãe para conseguir sobreviver ao ambiente até ter condições de resistir, perdurar no mundo, se reproduzir e dar continuidade à espécie.
O que talvez soe como uma desvantagem adaptativa, pode na verdade ser um dos motivos para humanos terem evoluído como soberanos do planeta.
Enquanto a mãe humana dedica atenção e cuidados a seu filhote durante os primeiros anos de sua vida, oferece a ele (além de alimento e proteção) algo que a égua não consegue transmitir ao pequeno potro: Uma injeção de informações, conhecimentos e saberes. Um curso longo, intensivo e focado para transmitir e perpetuar a cultura humana a seus descendentes.
Uma característica curiosa, que nos traz a percepção de que as grandes virtudes humanas talvez estejam, de fato, na nossa coletividade. Um poder coletivo e de cuidados com o próximo que parece ser um elemento relevante para o desenvolvimento de nossa espécie. Um componente que teve sua origem muito antes de nós…
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Empatia e Colaboração: Capacidades pré-humanas
Individualmente os humanos são muito menos eficientes que outros animais. Sozinhos na natureza não teríamos chance de sobrevivência e desenvolvimento.
Há algo na equação da adaptabilidade que passa por nossa capacidade colaborativa. Seja enquanto as mães humanas cuidam de seus filhotes ou no desenvolvimento da ciência, onde o conhecimento vem se acumulando ao longo das gerações.
Muito provavelmente esta capacidade nasceu bem antes de nós…
Frans de Waal é um estudioso do comportamento animal que vem estudando primatas há pelo menos 40 anos. Fascinado pelas relações entre animais, iniciou suas pesquisas estudando as relações entre macacos.
Seus primeiros estudos tentavam provar que os animais (incluindo humanos) teriam se desenvolvido buscando o benefício próprio. Sua teoria versava sobre agressão e competição. Em sua mente estava desenhado um quadro geral sobre o reino animal de que no fundo todos seríamos competidores agressivos lutando pela vida. Tudo se resumiria a ganhar ou perder.
Durante sua jornada observando macacos, Frans de Waal testemunhou uma briga entre dois machos. Acreditando estar diante de um fenômeno que o levaria a aprender mais sobre competição, se surpreendeu com algo inusitado. Após a briga, que terminou no alto de uma árvore, um dos chimpanzés estendeu a mão ao outro, num gesto amigável. Na sequência eles se aproximaram, deram as mãos, se abraçaram e se beijaram. Para surpresa do estudioso, que esperava observar relações de puro conflito, os macacos haviam se reconciliado.
Seu quadro geral sobre o reino animal, incluindo os humanos, começava a mudar…
A dúvida sobre o porquê os macacos se aproximaram e se reconciliaram depois da briga levaram Frans de Waal a perceber o valor existente em uma relação entre dois indivíduos. Um vínculo relevante que, se danificado por um conflito, precisaria de alguma forma ser resgatado.
De Waal resgatou inúmeros estudos sobre a cooperação entre animais que vão além de um momento de reconciliação. Experimentos conduzidos pelo estudioso, apontam que os animais são dotados da capacidade de se colocar no lugar do próximo. Muitas vezes sofrem pela dor do vizinho e, em casos extremos, até colocam-se em risco para salvar-lhes a vida. Os animais são dotados de reciprocidade, empatia e colaboração.
Segundo as palavras de Waal em seu livro ‘A Era da Empatia’: “Ao se colocar no lugar dos outros, os animais sociais ajudam a construir grupos mais coesos – o que, por sua vez, auxilia sua sobrevivência.”
A obra do primatólogo Frans de Waal mostra como a biologia oferece aos seres humanos uma antiga habilidade. Que talvez nos tenha trazido até aqui e nos leve mais longe. Uma capacidade de construir colaborativamente a sociedade, além da equivocada visão de uma natureza egoísta.
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Imaginação e Criatividade: Capacidades essencialmente humanas
Todas as grandes conquistas da humanidade, por toda a história, foram coletivas. Sejam a construção das pirâmides ou a viagem até a Lua, foram baseadas, não em habilidades individuais, mas na habilidade que temos de cooperar maleavelmente e em grandes grupos.
A despeito de existirem outros animais e insetos sociais que também conseguem cooperar em conjunto, os seres humanos o fazem com extrema sofisticação e flexibilidade.
A cooperação entre abelhas e formigas, por exemplo, é muito rígida. Basicamente, a evolução social desses seres parece ter se estacionado em apenas um modelo pelo qual uma colmeia ou um formigueiro podem funcionar. O mesmo processo e mecanismo colaborativo permanece o mesmo há gerações e pouco ou nada se ajusta com o passar do tempo.
Diante de uma nova ameaça ou oportunidade, as abelhas não têm a capacidade de se reinventarem socialmente em busca da adaptação ou evolução. Elas não podem desenvolver novos regimes políticos ou modelos sociais como os humanos. Formigas não observam o ambiente ao redor e concebem, idealizam ou criam novos cenários ou possibilidades. Neste ponto, assim como outros seres sociais, ficaram paradas em relação à raça humana.
As teses de Harari, inclusive, defendem que, além da colaboração, outra característica levou a raça humana ao topo da cadeia adaptativa: a nossa imaginação. Nós somos os únicos seres capazes de conceber e elaborar novas realidades enquanto outras espécies se mantêm presas em seus universos estanques.
Todos os grandes saltos da humanidade se deram pela capacidade de abstração. Temos o dom de imaginar o que ainda não existe, pensar o que pode vir a ser projetado, desenvolvido e construído. É como se tivéssemos um poder especial que nos permite fazer perguntas. Algo como um disparador das tecnologias em todos os campos do saber, impulsionando o conhecimento e evolução.
E se pudéssemos registrar nosso conhecimento?
E se pudéssemos aumentar nossa inteligência?
E se pudéssemos conectar o mundo em rede?
O flerte com o imaginário nos permite romper com a realidade e buscar novos caminhos. Nos permite formular questões sobre o como o mundo poderia ser.
Afinal, são as perguntas que movem a humanidade.
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Do natural ao artificial
As habilidades humanas de fazer perguntas, imaginar um mundo que ainda não existe e buscar o desconhecido foram praticadas por muito tempo. Talvez, de forma inconsciente, aleatória ou até mesmo intuitiva.
Pela maior parte da jornada de desenvolvimento das ciências, os pensadores dedicaram-se apenas a explicar como seria o mundo que nos rodeia. Não como poderia ser.
Essa abordagem seria alterada para sempre pela obra de Herbert Alexander Simon, um cientista político, psicólogo da cognição, cientista da computação e teórico da organização.
Disposto a trilhar um caminho não convencional, Simon adentrou campos inexplorados e menos avançados de pesquisa científica. Foi um dos primeiros pensadores da inteligência artificial e, melhor que ninguém, entendeu o futuro da tecnologia e o impacto dos computadores na sociedade. Já em 1965 preconizava que as máquinas seriam capazes de fazer qualquer trabalho que um homem pudesse fazer.
Sua perspectiva visionária sobre processos de tomada de decisão, mudanças climáticas e falhas nas teorias econômicas o conduziram ao Prêmio Nobel de Ciências Econômicas em 1978.
Em sua jornada, ainda em 1969, no livro “Ciências do Artificial”, Simon desenvolveu o conceito do ‘artificial’ em contraponto ao ‘natural’, afirmando que: “Artificial é o fabricado pelo homem, por oposição ao natural”.
Referia-se aos artefatos resultantes da manipulação humana. Um caminho que passa por um processo de resolução de problemas denominado design. Que, segundo ele, está presente na engenharia, arquitetura, educação, medicina e outros campos do saber.
“Faz design quem projeta cursos de ação com o objetivo de transformar situações existentes em situações preferíveis”.
Ele alertou, inspirou e motivou os cientistas a solucionar problemas de uma nova maneira – começando a coletar o máximo de dados possível, para então, a partir de critérios conscientes de escolha, tomar as melhores decisões.
Simon sistematizou com maestria um processo de construção do futuro. Iniciou o estatuto científico do design – que evoluiria ao que hoje conhecemos como design thinking -, como processo de conexão entre o pensamento (imaginação) à decisão (prática). Deixou no passado a ciência que somente buscava entender aquilo que já existe e nos apresentou a ciência que busca aquilo que pode vir a existir.
Mais que tudo, Simon estruturou com mais clareza a capacidade inata que temos de praticar o design. De alguma maneira nos transformou a todos em designers.
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O futuro em suas mãos
Um historiador aclamado pela sociedade, um primatólogo apaixonado por macacos e um prêmio Nobel de Economia apontam a incrível faculdade que temos para, colaborar, imaginar e modelar o mundo a nosso favor. A conexão de referências de Yuval Noah Harari, Frans de Waal e Herbert Simon nos mostra o aspecto ancestral do design que se desenvolve até os dias de hoje.
Personagens que nos remetem a empatia e colaboração como capacidades que nos acompanham, talvez de forma inconsciente, desde nossos antepassados. Aspectos que agora podem ser redescobertos e desenvolvidos para enfrentar as necessidades de um mercado mais complexo e focado nas necessidades humanas.
Harari, de Waal e Simon nos fazem resgatar a importância da imaginação e da criatividade. Faculdades que nos diferenciam dos outros animais, nos permitem conceber novas realidades. Competências ainda mais fundamentais para serem usadas como recurso num mundo que anseia por inovação.
Pensadores geniais que nos fazem lembrar que somos designers ancestrais. Com capacidades de projetar situações preferíveis, um atributo relevante, ou mesmo a chave para a adaptação de pessoas, líderes e organizações a um mercado mutante.
O futuro se aproxima cada vez mais rapidamente do presente. O mundo de hoje nos exige proatividade.
Portanto, pare agora o que você está fazendo. Não veja somente ‘como o mundo é’. Imagine como ‘o mundo poderia ser’… E arregace as mangas para construí-lo. Afinal, somos todos designers.
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Texto maravilhoso contribuiu, de forma leve e fluida, para um entendimento que já havia construido a partir de referenciais do campo de Educação, os quais afirmam que as inovações tecnoógicas, desde tempos imemoriais, advêm da capacidade do humano projetar e, mais do que isso, desenhar caminhos para a materialização de seus projetos por meio de relações sociais. Em outras palavras, o ser humano é um ser de relações sociais e, para tal, mobiliza suas faculdades biológicas e humanas.