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Coopetição: A arte de dormir com o inimigo

O anúncio recente de que a Globo e Netflix negociam a produção da novela mais cara do mundo reacendeu as discussões sobre competição, cooperação e as novas dinâmicas de mercado.

Não são questões recentes.

Em termos históricos, autores se dividem em quais seriam os fatores determinantes para o desenvolvimento da espécie humana. A luta pelo poder ou a capacidade de colaborar. Representam vetores importantes nesta conversa até os dias de hoje.

Além da relevância para a nossa história, as relações de poder e cooperação podem ser também uma questão importante para as novas dinâmicas do mercado. Portanto, gostaria de conectar alguns conceitos para explorar contigo algumas questões sobre as recentes transformações de negócios que vêm acontecendo. Fatos que ocorrem diante de olhos incrédulos para quem luta contra as transformações, ou diante de olhos esperançosos para quem consegue surfar as ondas da mudança.

As Cinco Forças de Porter

As famosas Cinco Forças de Porter foram concebidas por Michael Porter em 1979, através de um artigo publicado na Harvard Business Review. Segundo sua abordagem, as empresas deveriam fazer uso de 5 fatores para melhorar sua capacidade de servir seus clientes e obter lucros.
O cerne de sua teoria era o grau de rivalidade entre os concorrentes. Ao redor desta tensão orbitavam as outras 4 forças: O poder negocial dos fornecedores, o poder negocial dos compradores, entrada de novos concorrentes e produtos substitutos.

Estava formado um sistema complexo. Forças que deveria ser observadas em delicados equilíbrios para manter uma estratégia empresarial eficiente e a relevância das organizações. Uma abordagem mais sofisticada que as existentes na época, mas ainda assim focada a partir da competição.

Neste contexto que perdurou décadas, poderiam existir apenas 3 tipos de relação entre os atores de uma indústria ou segmento de mercado.

(1) Relações de Competição: quando as organizações lutam por espaço no mercado, manobrando as forças de Porter para benefício próprio.

(2) Relações de Cooperação: quando as organizações celebram alianças estratégicas, formando grupos que cooperam internamente e competem com outros grupos.

(3) Relações de Coexistência: quando as organizações existem mutuamente no mesmo ambiente, mas ignoram possíveis relações de rivalidade.  

A partir do modelo de Porter, os estrategistas buscaram entender as tensões de mercado e encaixar suas organizações dentro de uma destas relações conhecidas.

Novas Relações Colaborativas

Alguns anos depois, em 1989, foi a vez de Gary Hamel trazer a público alguns sinais de mudança nas relações competitivas entre as organizações. Na mesma Business Harvard Review que havia popularizado as 5 Forças de Porter (e que ainda era uma revista impressa), Hamel disse: “A colaboração entre concorrentes está na moda”.

À época, Hamel evidenciava movimentos até então atípicos, como relações cooperativas entre General Motors e a Toyota montando automóveis, a Siemens e a Philips desenvolvendo semicondutores e a Canon fornecendo fotocopiadoras para a (ainda viva) Kodak. Disseminando algo que ele chamava de “colaboração competitiva”.

Os empreendimentos conjuntos pareciam mais fortes do que nunca. Aumentava a percepção de que seria preciso tanto dinheiro para desenvolver novos produtos e penetrar em novos mercados, que poucas empresas conseguiriam agir sozinhas. A saída seria articularem-se entre si numa nova relação, que ainda evoluiria nos próximos anos.

O sistema de relações entre empresas acabava de ganhar mais uma peça. Além das relações de Competição, Colaboração e Coexistência, surgia um novo conceito que viria a ser conhecido como Coopetição.

Co-Opetition

Foi somente em 1996 que Adam Brandenburger e Barry Nalebuff, professores de Economia nas Universidades de Harvard e Yale, oficializaram para o mundo uma situação em que as empresas cooperam e competem ao mesmo tempo.  Especialistas no campo da Teoria dos Jogos, Adam e Barry mesclaram as palavras ‘competição’ e ‘cooperação’ para definir o trabalho conjunto entre concorrentes, numa nova complexidade.

Com o objetivo de criar e capturar valor para seus clientes, as organizações adotariam (1) a cooperação para aumentar os benefícios para todos os atores e crescimento do mercado. Mas também não deixariam de adotar (2) a competição, como forma de dividir os benefícios alcançados.

É como se os players de um determinado grupo tivessem que dividir uma pizza. Mas, ao invés de lutarem diretamente pela maior fatia, articulassem esforços para aumentar o tamanho de toda a pizza, para depois dividi-la. Um esforço coletivo que, a despeito da competição ainda existente no processo, beneficiaria a todos.

Casos mais recentes, de diferentes indústrias, defendem e corroboram a teoria de que tanto a cooperação como a competição são necessárias e desejáveis no mundo contemporâneo dos negócios.

Este movimento de novas articulações aconteceu com relativa velocidade, num cenário de complexidade global que forçou empresas, antes diametralmente opostas, a começarem a trabalhar juntas. Organizações que lutaram guerras amargas, durante anos umas contra as outras, surpreenderam o mundo com a notícia de que trabalhariam juntas.

Como a Samsung, que em 2015 anunciou que se associaria com a LG, para trabalhar em conjunto no desenvolvimento da tecnologia 5G. Uma manobra que fortaleceu as duas empresas no setor de telecomunicações altamente competitivo. Ou a Microsoft que, em 2016, provou da coopetição, desenvolvendo relações de parceria com Fundação Linux. Ou o  Google, que no mesmo ano também se articulou com a Fundação .NET.

Intel, Nintendo, American Express, NutraSweet, American Airlines e tantas outras empresas têm usado abordagens coopetitivas. Formularam suas estratégias com base nas teorias de Brandenburger e Nalebuff, que defendem, desde então, a coopetição como um mindset revolucionário que muda o jogo dos negócios. 

Não espere por spoilers

O pensamento contraintuitivo da cooperação entre competidores faz parte de um rol de inúmeras surpresas trazidas pelas transformações recentes do mundo. Quem imaginaria que seria mais vantajoso colaborar com rivais do que dedicar esforços para vencê-los? Quem um dia pensaria que dormir com o inimigo seria uma possibilidade?

Estas são as maravilhas de um mundo em transformação. Um mundo onde as fagulhas tecnológicas permitiram um mundo mais conectado e um mercado ainda mais globalizado. Um mundo com novas topologias que permitem cenários mais prolíferos e abundantes. Onde a tecnologia se mostra apenas como o começo de outras grandes revoluções.

Klaus Schwab, o fundador e diretor executivo do Fórum Econômico Mundial, diz que a quarta revolução industrial não é um conjunto de tecnologias emergentes em si mesmas. Mas a transição em direção a novos sistemas construídos sobre a infraestrutura da revolução digital.

É neste palco, oriundo de uma revolução tecnológica e de negócios, que a Globo e Netflix talvez entrem em cena. E quem sabe, entrem também para a história com a produção da novela mais cara do mundo.

Apenas mais um capítulo de uma narrativa imprevisível e cheia de surpresas…

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