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Como medir uma revolução?

Você está agora, neste exato momento, no centro de uma incrível revolução. Ok, isso não é nenhuma novidade… Sei que há muito você ouve falar sobre mudanças. Sei também que você sabe que o mundo está num período de extrema complexidade. Mas será que você tem a exata noção do tamanho, da grandiosidade, da massividade das transformações que estão em curso?

Arriscaria dizer que nem você, nem eu, e nem qualquer ser humano vivo hoje teria a percepção exata do que estamos vivendo. Estudiosos como Harari se aproximam de um entendimento maior, mas não diria que têm uma clareza total sobre as transformações e sobre o futuro.

Primeiro porque estamos no centro do furacão. Seria impossível, a partir de nosso ponto de observação, saber seu raio de ação. Sentimos as movimentações e rodopios, percebemos a turbulência e trepidação. Inferimos que estamos dentro de  algo diferente, mas não sabemos o quão grandioso é este movimento.

E, claro, precisaremos de afastamento histórico para entender o grande contexto. A complexidade do momento que vivemos (e de qualquer outro) exige uma visão ampla. Precisamos de pontos de referência que nos permitam mensurar os meandros do mundo.

Enquanto o afastamento histórico não se concretiza, nos resta desenvolver um olhar crítico sobre o tempo que passou e ampliar nossa percepção sobre o mundo que nos rodeia. Nos resta  descobrir, sobretudo, que o mundo está, sempre esteve e para sempre estará se transformando.  

Saramago e o Mundo Complexo

Algumas metáforas poderosas sobre a transformação e complexidade podem ser encontradas, por exemplo, nas palavras de José Saramago. O grande autor escreveu, um ano antes de ser laureado com o Prêmio Nobel de Literatura, uma parábola chamada “O Conto da Ilha Desconhecida”. 

Trata-se de um conto sobre um homem que resolve pedir ao rei uma embarcação para sair em busca de uma ilha desconhecida que todos sabem não existir. Saramago nos brinda com uma alegoria que nos faz refletir sobre a inquietação humana, o desconforto com a realidade, o inconformismo com o status quo. E que nos estimula a pensar com amplitude, rompendo as fronteiras do conhecimento.

Uma obra que deu origem a uma frase emblemática de Saramago que nos ensina também sobre a visão ampla necessária para o entendimento do mundo:

“É preciso sair da ilha para ver a ilha. Não nos vemos se não saímos de nós”. 

Um pit stop em 1950 e a Velocidade do Mundo

Existem muitas formas (menos filosóficas e talvez mais pragmáticas) de buscar pontos de referência sobre as transformações que o mundo vive hoje. Algumas até simplórias.

Podemos recorrer, por exemplo, a um contexto que nos traz termos comparativos claros sobre o aumento da velocidade do mundo. Um paradigma da velocidade e desempenho. Um dos berços das grandes inovações tecnológicas: As corridas de automóveis.

Circula pelo Youtube um vídeo de um pit stop durante uma corrida de Indianápolis em 1950. Na ocasião, um trôpego grupo de mecânicos, provavelmente em suas melhores performances, levam longuíssimos 76 segundo para trocar pneus e fazer o reabastecimento de um carro.

Corta para 2020. O vídeo segue mostrando o mesmo contexto automobilístico, no entanto com um um salto temporal de 70 anos. Traz evidências muito nítidas de como o mundo está cada vez mais acelerado. O grupo de mecânicos, mais parecidos com soldados imperiais de Star Wars, leva exato 1,82 segundo para trocar pneus e fazer o reabastecimento de um carro.

Uma marca insensata se pensada em 1950, porém real para os dias de hoje, que nos mostra que o mundo acelera rumo às curvas do futuro.

A Evolução das Imagens de Júpiter

Neil deGrasse Tyson, é um astrofísico e escritor americano. Talvez um dos nomes mais proeminentes na divulgação científica da atualidade. Ao redor de sua figura, uma gigantesca comunidade com mais de 250 mil pessoas se reúne para troca de informações e conhecimento a respeito dos (acelerados) avanços da ciência, da tecnologia e outras curiosidades do saber.

A reunião de tantas pessoas compartilhando pontos de vista diversos acaba se mostrando também uma oportunidade de parametrizar as transformações do mundo.

Uma imagem recentemente publicada nesta comunidade traz a evolução das imagens do planeta Júpiter. 

Photo by Facebook / Reprodução

Os 120 anos de registros fotográficos do maior planeta do Sistema Solar, em especial os últimos 20 anos, nos dão uma ideia de como a tecnologia se desenvolve muito além de nossos olhos. Em frentes diversas e amplas, nos evidenciam que a revolução vai bem além daquilo que podemos ver.

O Canal de Suez e o Mundo BANI

Chegando aos 30 anos de existência, o Mundo VUCA, quem diria, está caducando. A Volatilidade, Incerteza, Complexidade e Ambiguidade estão dando espaço para a Fragilidade, Ansiedade, Não-linearidade e Incompreensão. O novo acrônimo BANI surge trazendo um novo frescor. Uma tentativa de entender e dar nomes a um mundo que talvez seja indefinível.

Independente da discussão sobre letras e conceitos, que muitos estudiosos rejeitam, a questão é: a obsolescência de um termo designado para explicar a complexidade do mundo moderno seria mais um indício dos vultos das transformações que nos cercam?



O episódio recente da paralisação do Canal de Suez talvez possa ilustrar a fragilidade de alguns sistemas aparentemente robustos (embora a robustez não signifique necessariamente algo adequado ao mundo atual).

Inaugurado em 1869, após 10 anos de construção, o Canal de Suez permite que navios viajem entre a Europa e a Ásia Meridional sem ter de navegar em torno de África, reduzindo assim a distância da viagem marítima entre o continente europeu e a Índia em cerca de 7 mil quilômetros.

O Canal de Suez escoa milhões de toneladas de mercadorias. Por ali passam, por ano, 19 mil navios, representando mais de 12% do comércio internacional. Com sua retenção, o mundo hoje pode estar testemunhando o início de um efeito bola de neve. Se a paralisação perdurar, poderá haver congestionamentos nos portos, quebras de cadeias de produção por falta de matérias-primas e encarecimento de commodities.

Do Mundo VUCA ao Mundo BANI, da falta de café e papel higiênico, passando pelo risco de piratas, a um aumento da inflação e taxas de juros, nossa única certeza é que o mundo mantém, como diria Heráclito, sua constante e inexorável transformação. 

Um Supermercado de Ideias

Harari diz que até 2050 teremos um exército de inúteis na sociedade. Certamente este montante será de pessoas que não conseguirem entender as mudanças e desenvolver novas habilidades. Os inúteis de Harari serão aqueles que se permitirem tornar obsoletos pelo avanço da tecnologia, aqueles que se recusarem a se adaptar às novas dinâmicas do mundo.

E para se manter relevante, apesar de não termos exatamente toda a noção da grandiosidade das mudanças em que estamos, não nos faltam recursos para aguçar o pensamento crítico e iniciar hoje a busca pela “Ilha Desconhecida” de Saramago. Seja comparando performances em pit stops, percebendo a evolução técnica nas fotografias de Júpiter ou avaliando o ciclo de vida do Mundo VUCA, cada fragmento nos ajuda a construir um retrato mais claro, pixel a pixel, da nossa realidade.

Certa vez, há muitos anos, durante minha graduação em design, uma professora me disse que o mundo era um “supermercado de ideias”. Ela se referia a todas as possibilidades que nos rodeiam, que poderiam servir como elementos para entender nossas realidade. Se referia também às referências abundantes que estão ao nosso redor que nos permitem criar o novo. 

Esta frase me marcou, a ponto de estar, dezenas de anos depois, compartilhando-a contigo. Me ensinou que, se estamos num “supermercado de ideias”, nos resta ir às compras para entender o mundo, buscar a grandeza das transformações que nos rodeiam e, principalmente, desenvolver nossas responsabilidades na construção de futuros melhores.


Photo by Edouard Grillot / Unsplash

1 comentário em “Como medir uma revolução?”

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