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Uma singela homenagem a Sir Ken Robinson


No longínquo ano de 2006 um claudicante homem subiu ao palco do TED, em Monterey, na Califórnia, com uma pergunta que até hoje nos traz profundas reflexões:

“As escolas matam a criatividade?”

Este homem era Ken Robinson e as palavras que proferiu nos 18 minutos seguintes resultaram na TED talk mais vista do mundo. No momento em que escrevo estas palavras, mais de 66 milhões de pessoas tiveram o privilégio de serem tocadas (e até mesmo transformadas) pelas mensagens e pelo senso de humor peculiar de Ken Robinson. Entre palavras leves e engraçadas, uma poderosa abordagem sobre Educação e a importância de mantermos viva a criatividade em nossas crianças.

Nascido em 1950, em Liverpool, Ken Robinson atuou como professor de Educação Artística e como diretor em instituições de ensino. Sua trajetória como defensor da arte em seus espectros mais amplos o fez ser reconhecido como um visionário e revolucionário líder cultural. Em 1998 liderou o comitê consultivo do governo britânico sobre educação criativa, através de uma ampla investigação sobre a importância da criatividade no sistema educacional e na economia. 

Entre inúmeros reconhecimentos, Ken Robinson foi condecorado com a Medalha George Peabody e com a Medalha Benjamin Franklin pela Royal Society for the Arts. Recebeu o título de Doutor Honorário pela University of Central England e pela Rhode Island School of Design. Mas, definitivamente seu título mais representativo se deu em 2003, quando se tornou membro da Excelentíssima Ordem do Império Britânico. Uma honraria concedida pelas contribuições para as artes e ciências, trabalho com organizações de caridade e de assistência social, que o tornou um Cavaleiro da Rainha e acrescentou o prefixo “Sir” a seu nome de batismo.

Toda sua obra foi canalizada para a luta contra um antiquado sistema educacional. Sir Ken Robinson argumenta que fomos educados para nos tornarmos bons trabalhadores, ao invés de pensadores criativos. Nesse sentido, as individualidades de alunos, com mentes e corpos, fora dos rígidos e anacrônicos padrões estabelecidos, estariam fadados ao fracasso social e profissional. Suas potências e curiosidade estariam longe de serem cultivadas. Seriam ignorados ou mesmo estigmatizados. Com terríveis consequências. Tanto para o indivíduo quanto para a sociedade.

Há muito os argumentos de Sir Ken Robinson ecoam pelo mundo. Hoje se juntam a uma legião de pais, professores e educadores inquietos. Fazem coro com aqueles que observam com atenção os rumos da educação. Se somam aos que, em suas pequenas porém gloriosas lutas, propõem uma abordagem mais orgânica e personalizada para a aprendizagem. Inspiram quem se propõe a construir novos modelos para estabelecer uma nova geração de indivíduos mais plenos, felizes e produtivos. 


“Minha convicção é que a criatividade hoje é tão importante na educação quanto a alfabetização.”

Nos primeiros instantes de sua mais aclamada apresentação, no TED 2006, depois de arrancar gargalhadas da plateia com piadas brandas, Robinson enumera 3 pontos iniciais que gostaria de compartilhar com o público. 

O grande gênio da Educação se diz um maravilhado com a criatividade humana, com sua variedade e multiplicidade.

Se mostra também atento ao futuro, diz que não fazemos a menor ideia do que vai acontecer no amanhã. Segundo ele, não temos nenhum indício do que nos espera. E por isso todos nos interessamos pela Educação, que teria o papel de nos conduzir a um mundo ainda desconhecido.

O terceiro ponto diz respeito às crianças, e sua extraordinária capacidade de inovação. Ken Robinson ilustra sua ideia fazendo referência à jovem Sirena Huang, à época com 11 anos de idade, que na noite anterior à sua apresentação encantou o público com uma icônica performance em seu violino.

A menina Sirena começou a ter aulas de violino aos 4 anos e fez sua estréia solo profissional aos 9 anos com a Orquestra Sinfônica de Taiwan. Ganhou prêmios importantes em vários concursos internacionais, fascinando o público em todo o mundo. Robinson reconhece que Sirena é excepcional, no entanto, não se trata exatamente de uma exceção extraordinária entre todas as crianças. Ele diz que trata-se de um caso de uma pessoa de extrema dedicação que simplesmente conseguiu achar seu talento. Ao que completa, dizendo-se convicto de que todas as crianças têm aptidões incríveis. Mas que são implacavelmente desperdiçados. E por isso é preciso falar sobre educação e sobre criatividade.


A Menina que via Deus.

Sir Ken Robinson diz que as crianças correm riscos que adultos temeriam correr. Se não sabem algo, tentam, mas não têm medo de errar. Ressalta que errar não é o mesmo que ser criativo, mas que se não estivermos preparados para o erro, nunca teremos ideias realmente originais. Infelizmente quando chegamos à idade adulta perdemos essa capacidade, e desenvolvemos verdadeiro pavor de estarmos errados.

Robinson ilustra brilhantemente este conceito através de uma passagem que arranca suspiros e sorrisos da plateia. É a história de uma menininha de 6 anos que estava numa aula de desenho, especialmente entretida em uma atividade, o que chamou atenção da professora. A professora se aproximou da menininha e perguntou: “O que você está desenhando?”. Sem olhar para cima a menina respondeu: “Estou desenhando um retrato de Deus!”. A professora então contestou: “Mas ninguém sabe como é Deus…”. A menina então responde: “Vão saber assim que eu terminar!”. 


O desperdício intelectual causado pelo sistema educacional contemporâneo.

Em sua fala, Ken Robinson mostra sua surpresa com o modelo de ensino atual. Tanto como especialista e estudioso da Educação, quanto pai de filhos que passaram pelo sistema educacional. Robinson diz que que, incrivelmente, todo o sistema educacional do planeta, de todos os países, têm a mesma hierarquia de disciplinas. Todos eles. Por conta de critérios meramente industriais e academicistas desenvolvidos a partir do Século XIX, no topo estão as disciplinas mais úteis ao trabalho e à academia, como matemática e línguas, depois as disciplinas humanas. E por último as artes. 

Este modelo, segundo ele, gradualmente afasta as crianças das coisas que elas gostam. Por isso, muitas pessoas talentosas e brilhantemente criativas pensam que não o são, porque a escola não valoriza aquilo em que são boas.

Exemplifica seu desconforto questionando, por que não existe, por exemplo, um sistema educacional que ensina dança diariamente às crianças, da mesma forma que ensinam matemática? Afinal todos temos um corpo. E todos gostam de dançar. 

Sir Ken Robinson deixa claro que acha a matemática importante, mas a dança também. Usa este exemplo apenas para genialmente concluir que à medida que as crianças crescem, nós começamos a educá-las progressivamente da cintura para cima. Depois focamos na cabeça, e, pasmem!, levemente para um lado, referindo-se às habilidades racionais, em detrimento das habilidade emocionais.

A mensagem de Robinson expõe um verdadeiro desperdício intelectual causado pelo sistema educacional contemporâneo. À época de sua palestra já se sabia que a inteligência (dentre outras coisas) é dinâmica e variada. Ou seja, já sabíamos que pensamos a respeito do mundo de todas as formas que o vivenciamos. Pensamos visualmente, pensamos auditivamente, pensamos cinestesicamente. Pensamos em termo abstratos, pensamos em movimento. E que manifestamos nossa inteligência através da interação de como as diferentes disciplinas vêem as coisas.


Garota problema?

A exemplo de como o sistema educacional poderia tirar mais proveito dos múltiplos tipos de inteligência, Sir Ken Robinson emociona a plateia com a história da pequena Gillian, uma menina supostamente problemática nos anos 1930. Irrequieta, ela tinha dificuldades na aprendizagem e chegou ao ponto de atrapalhar os demais alunos de sua classe. A escola não conseguiu lidar com a situação e orientaram seus pais a procurarem um especialista.

Foram então visitar um médico, que observou as atitudes de Gillian enquanto sua mãe descrevia os problemas da menina. Após a conversa inicial, o doutor convidou a mãe a sair do consultório e deixaram Gillian sozinha com um rádio ligado.

Assim que eles saíram da sala, Gillian se levantou e começou a se mover ao ritmo da música, até que começou a dançar. Eles a observaram por alguns minutos, ele se virou para a mãe e disse: “Sra. Lynne, sua filha não está doente, ela é uma dançarina. Leve-a para uma escola de dança.”

Robinson finaliza a história esclarecendo que, por sorte, a pequena Gillian, em sua infância, não foi submetida ao uso de medicamentos para se acalmar. A menina foi matriculada numa escola de dança, cresceu e fez um teste para a Royal Ballet School. Tornou-se uma solista e teve uma carreira fantástica. Fundou a Companhia de Dança Gillian Lynne, foi responsável por alguns dos musicais mais bem sucedidos na história, deu alegria para milhões de pessoas e hoje é multimilionária. 

Foto: A coreógrafa Gillian Lynne / Georgina Butler


Em sua mais famosa aparição, Ken Robinson celebrou a imaginação e a criatividade humana. Nos deixando a mensagem de educar nossas crianças em sua totalidade, preparando-as para um futuro ainda misterioso.

Dizia que talvez nós não víssemos este futuro.

De fato, Sir Ken Robinson não chegou a ver um sistema educacional pleno, que explora e engrandece pessoas em seus talentos e paixões. Faleceu há alguns dias, em 21 de agosto de 2020, vítima de câncer.

O que nos conforta é saber que sua mensagem permanecerá entre nós, enquanto buscarmos explorar todas as formas de inteligência. Nos alivia saber que sua genialidade permanecerá no mundo, enquanto buscarmos descobrir a grandeza de nossas plenitudes pessoais, que seu legado ajudará a desvendar o incerto, enquanto ajudarmos as crianças a tirarem o melhor proveito do futuro.



Apresentação de Sirena Huang, citada por Sir Ken Robinson:
O violino mágico de uma menina de 11 anos


Apresentação de Sir Ken Robinson no TED 2006:
As escolas matam a criatividade?

Foto Destaque: Sir Ken Robinson / TED

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