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#04 Epifania Humana


São Francisco,
30 de agosto de 2016

Ao terceiro dia de evento todos já pareciam mais íntimos. Como se estivéssemos nos acostumando à carga de novidades e informações. Os rostos eram mais familiares e o pensamento exponencial aos poucos começava a fazer parte de nossas vidas.

Mais uma vez as atividades começaram cedo, antes mesmo do café da manhã. Um grupo de participantes se aventurou por corridas pelas ruas da cidade enquanto outros transcenderam suas mentes em sessões de meditação. Algo dizia que devíamos preparar ainda mais espaço em nossas mentes para o que vinha por aí. Afinal, não podemos nunca subestimar a singularidade.

Recapitulando as emoções do dia anterior, Will Weisman, o mestre de cerimônia, subiu ao palco desta vez vestido de astronauta. Deu boas vindas em tom bem humorado à etapa final daquela jornada. Suas palavras deram vez a um tema aguardado por muitos, talvez pelo flerte que estas tecnologias nos fazem já há algumas décadas. A realidade virtual e a realidade aumentada.

Aplausos soaram no salão principal para a entrada dos veteranos Philip Lelyveld, da Virtual Reality / Augmented Reality Initiative at the University of Southern California’s Entertainment Technology Center (ETC) e da Dra. Jacquelyn Ford Morie que há 25 anos se dedica ao desenvolvimento de tecnologias multissensoriais para Realidade Virtual. 

Um incrível panorama histórico foi apresentado. As toscas experiências do século passado foram confrontadas com o avanço contemporâneo. Um choque que acabou por comprovar que as tecnologias que vão invadir nosso mundo realmente começam de forma sorrateira, quase desesperançosas.

Foram abordadas as aplicações em alto grau de desenvolvimento e seus impactos em diversas indústrias, da educação à neurocirurgia, das relações com o espaço público às novas interfaces e interações sociais. Os games e a geração de novos conceitos midiáticos que vão muito além do storytelling, chegando ao storymaking. Experiências sensoriais, empáticas, cinestesia e até experiências extra-corpóreas. Segundo os especialistas, os limites entre realidade e virtualidade serão rompidos num caminho sem volta. Na minha ignorância não ouso discordar de mais nada.

Como era de se esperar, e sem trocadilhos, uma nova janela se abriu nas mentes dos participantes. Aliás, inúmeras janelas se abriram diante do abissal impacto que esta tecnologia potencialmente pode provocar na raça humana. De forma que as exposições naturalmente alcançaram questões éticas, indo muito além dos pedidos do Museu do Holocausto pela distância dos caçadores de Pokémon.

Como de praxe, após a primeira sessão do dia, os assuntos explodiram em torrentes paralelas de especialistas visitando novos olhares e novos paradigmas. Não pensei que ainda fosse possível encontrar mais surpresas. Mas, sim, era possível!

Educação, potencial humano, o futuro do trabalho, o futuro da mídia, crowdfundingbiohacking, transcendência, nanotecnologia, relações homem-máquina, medicina, neurociência, ufa!, foram alguns dos tópicos abordados e saboreados por aqueles que ainda tinham espaço na memória.

Percebemos o grand finale se aproximando quando foram anunciados os últimos prêmios que ainda faltavam do Global Grand Challenge Awards.

O reconhecimento na área de Segurança foi para a Exportunity com suas soluções tecnológicas que eliminam riscos de fraude em transações comerciais e financeiras, em nível mundial.

As ReGen Villages levaram a categoria Habitação, com uma ambiciosa proposta para atender demandas da população terrestre de 10 bilhões de habitantes, prevista para 2050. Sugerem a criação de bairros descentralizados e tecnologicamente integrados, com total autonomia energética, alimentar e em gestão de resíduos. Uma alternativa horizontal para o desenvolvimento humano com menos encargos para governos locais e nacionais.

A categoria Espaço, que vislumbra nosso futuro como uma espécie multi-planetária, foi vencida pela Made In Space. Com uma proposta que até pouco tempo atrás seria impensável, mas que à essa altura nos parecia muito natural, eles se propõem a ser a única organização (por enquanto) com a capacidade de manufatura fora do planeta Terra. Poderá reduzir custos de lançamento de objetos volumosos e pesados, representando o fim nos gargalos do desenvolvimento da colonização espacial. Literalmente, o céu é o limite.

E na busca por soluções que permitam acesso à informação e consequente geração de conhecimento, por todos, para todos, em qualquer tempo e em qualquer lugar, o prêmio da categoria Educação foi entregue ao projeto SmartStone. Numa das mais emocionantes passagens de todo o evento, as mais básicas necessidades humanas foram trazidas ao primeiro plano. O projeto consiste dar uma vida minimamente digna à 370 milhões de pessoas que não podem falar por questões neurológicas. São pessoas impactadas por dificuldades motoras e sensoriais e que afetam diretamente sua educação, sociabilização e relacionamentos pessoais. 

A tecnologia exposta pela SmartStone, como num passe de mágica, transforma ondas cerebrais e gestos rudimentares em voz sintetizada. Em apresentação que fez alguns dos presentes chegarem às lágrimas, foi exibido o funcionamento do dispositivo que possibilita crianças e idosos, que nunca haviam conseguido expressar seus sentimento, “falando” a seus familiares palavras de amor e agradecimento.

Ao fim do evento a ficha caiu. Após um mergulho que nos fez percorrer cenários tão extremos, de profundezas abissais a picos estratosféricos, viabilizados por tecnologias aparentemente frias, algorítmicas e matemáticas, a surpresa que pessoalmente experimentei foi um loop completo. O retorno ao início de tudo: o ser humano em seu estado mais puro, suas necessidades e seus desafios.

Afinal, como todos já sabemos, mas muitas vezes teimamos em esquecer, a tecnologia é apenas um meio para um vida mais humana e mais justa. Fica portanto um grande desejo: que todos juntos consigamos traçar curvas em direção ao infinito, mas não pela tecnologia pura, mas por condições mais democráticas, justas e sustentáveis para todos. Que possamos traçar curvas rumo à vida exponencial.


Colaboraram:
Francisco Milagres e Marconi Pereira
– Co-founders SingularutyU Brazil Summit

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