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O ‘Flow’ segundo Steven Kotler


Kevin Kelly é um dos nomes mais proeminentes no mundo da inovação. Editor executivo e fundador da renomada revista Wired. Diante do cenário  de desenvolvimento hiper acelerado da tecnologia, que vem trazendo novas complexidades ao mundo, Kelly diz que se nós tentarmos travar uma luta contra as máquinas iremos perder. Ele sugere que ao invés de apostarmos uma corrida ‘contra’ elas, devemos correr ‘com’ elas. Usá-las a nosso favor e buscar sinergia nesta relação. Assim, chegaríamos todos mais longe. 

De fato estamos experimentando, enquanto humanos, uma defasagem considerável em relação à velocidade das mudanças. Acompanhar a tecnologia, e todo o seu legado vivo de transformações, é sem dúvida o maior desafio da atualidade. 

Foram necessárias centenas de milhares de anos para modelar nossos cérebros em uma configuração que nos permitisse sobreviver e evoluir. Não foi fácil, mas durante a imensa maioria desse tempo o mundo foi relativamente estável e previsível.

Nossa biologia nos adequou a um cenário mais controlado, onde os fatores que interferiam em nossas vidas estavam perto de nós. Aprendemos a identificar os riscos que nos cercavam num pequeno perímetro de influência. E por praticamente toda nossa existência enquanto espécie, nos preparamos também para um mundo com uma taxa de mudança extremamente lenta. 

Nosso cérebro, portanto, foi projetado para viver num mundo ‘local’ e ‘linear’. No entanto hoje vivemos num ambiente que vem se transformando no acelerado ritmo da tecnologia. Talvez mais rapidamente que nossa capacidade de reação. Estamos num mundo globalizado, onde fatos do outro lado do mundo podem mudar completamente nossas vidas. Estamos num mundo exponencial, onde a taxa de mudança cresce vertiginosamente. Mal conseguimos entendê-la.  

Nossa adaptação está sendo colocada à prova. E por isso, além da atenção dada à tecnologia, novas habilidade humanas são a base de profundos estudos nos campos das ciências. Grandes nomes vêm dedicando suas vidas a entender como nosso cérebro funciona e como poderíamos expandir a velocidade e escala de nossos pensamentos.  Nesse contexto está inserido o trabalho de Steven Kotler. Autor de inúmeros best-sellers, jornalista e empresário americano, lidera o Flow Research Collective. Uma organização que busca entender cientificamente o desempenho humano e assim desenvolver a performance de indivíduos e empresas.

Kotler desenvolve pesquisas consistentes para elevar nossas capacidades. Diferenciais que podem permitir, quem sabe, a cooperação com as tecnologias, como sugere Kevin Kelly. Qualidades que podem significar a adaptação de pessoas e líderes às mudanças que o mundo vem sofrendo. Um atributo que, em última instância, pode definir quais organizações vão sobreviver (ou não) na nova e complexa arena que vem se desenhando.

Steven Kotler trabalha no limiar das capacidades humanas. Autor de incontáveis livros sobre expansão da consciência e alta performance, seu trabalho versa sobre como atingir o chamado “flow” ou Estado de Fluxo. O que segundo suas palavras significa: “Um estado de consciência ideal, com foco extremo e atenção extasiada”. Talvez este termo não seja familiar, mas é provável que você já o tenha experimentado. Trata-se daquele momento onde muitos de nós, durante uma determinada atividade, experimentamos um mergulho interior profundo. O mundo externo parece desaparecer e entramos numa espécie de transe, cujo resultado é uma concentração extrema e enorme produtividade. 

Proposto originalmente pelo psicólogo húngaro Mihaly Csikszentmihalyi, o conceito tem sido utilizado numa grande variedade de campos. Por sua natureza pouco compreendida, nos anos 1950 e 1960 foi classificada como uma experiência mística ou espiritual. Hoje, graças ao trabalho de Mihaly, Kotler e muitos estudiosos e especialistas, este fenômeno é abordado com consistência  científica.

Agora Profundo: 5 horas em 5 minutos

Apesar de soar como algo intangível ou vaporoso, o Estado de Fluxo tem causas e efeitos físicos muito palpáveis. Kotler defende que esta condição tem origens neurobiológicas, o que traz ao conceito o pragmatismo necessário para sair do campo do esoterismo e adentrar (profundamente) no campo da ciência.

Quando variáveis fisiológicas e comportamentais se alinham e permitem este estado de consciência é possível experimentar uma mudança em todo o corpo. Nos faz sentir em nossa melhor condição e nos permite alcançar nossas melhores performances. Nossa autopercepção se modifica e todo o resto desaparece. Kotler associa a raiz do Estado de Fluxo a processos meditativos e ao ‘mindfulness’. Preconiza que a causa (e efeito) fundamental deste estado está relacionado à concentração total. Entende que toda atenção no presente seria a chave principal para o Estado de Fluxo. Eliminando arrependimentos do passado e preocupações do futuro, se conseguiria uma condição que ele chama de “Agora Profundo”. O cérebro se fecha para outros estímulos e consegue dedicar mais energia à tarefa principal, consequentemente de forma mais profunda e eficiente.

O córtex pré-frontal, área do cérebro responsável pela nossa percepção de tempo, também se “desliga” neste momento para manter o foco. Isso afeta a nossa capacidade de distinguir a temporalidade do passado, presente e futuro. O que explica porque algumas pessoas experimentam uma confusão temporal quando mergulham o Estado de Fluxo. Para alguns a passagem do tempo é mais lenta, enquanto a maioria sente que o tempo passa muito mais rápido. Como se 5 horas passassem em 5 minutos.

O Triângulo de Alto Desempenho

A descarga de neuroquímicos em nosso organismo durante o Estado de Fluxo inibe a dor e aumenta a força física. Outras alterações também podem ser observadas. Devido ao foco de atenção alcançado pelo cérebro, Kotler diz que experimentamos a total absorção de novas informações recebidas. Este aumento significativo na retenção informacional permitiria, na mesma ordem, um aumento de nosso acervo de referências e o aumento de nossa base de ideias para novas conexões. 

A máxima eficiência cerebral nos traria maior velocidade de processamento. Conseguiríamos conexões mais rápidas e mais distantes entre os elementos de nosso repertório, ampliando nossa capacidade de reconhecer padrões e aumentando também o que se conhece como Pensamento Lateral.

Diante de todos os efeitos ocasionados pelo Estado de Fluxo, Steven Kotler define o que chama de Triângulo de Alto Desempenho. Seria a conjugação de 3 atributos presentes nas listas de habilidades fundamentais para os dias atuais. As condições geradas pelo Estado de Fluxo, aumentariam: (1) Motivação, através da euforia ocasionada pelo alto rendimento. (2) Aprendizado, pela maior capacidade de absorção informacional. (3) Criatividade, devido à ampliação de repertório e aumento da capacidade e velocidade de conexões.  Sendo assim, o Estado de Fluxo nos tornaria pessoas mais capazes intelectualmente e nos permitiria uma perspectiva muito mais ampla da realidade, que por sua vez aumentaria nossa propensão para assumir riscos. Nos tornaria, sobretudo, mais ousados diante dos desafios do mundo. 

“O que é necessário para fazer o impossível?”

Da mesma forma pragmática e objetiva, os resultados alcançados pelo Estado de Fluxo vêm sendo estudados tanto por Steven quanto por consultorias globais. 

Em suas palestras, Steven Kotler menciona um estudo realizado pela McKinsey. Ao longo de 10 anos a pesquisa constatou que executivos em Estado de Fluxo relataram ser 5 vezes mais produtivos. É como se estes super-profissionais pudessem trabalhar apenas nas segundas-feiras e tirar os demais dias folga, enquanto seus pares precisassem trabalhar a semana toda.

Desse prisma o Estado de Fluxo pode ser encarado como uma espécie de poder extraordinário. Por isso as organizações teriam profundo interesse em promover estas condições a seus colaboradores. O que representaria uma ruptura de padrões e a possibilidade de alcançar novos níveis de produtividade e desempenho. Em seu livro “Tomorrowland” ele estuda os inovadores mais audaciosos do mundo e conclui que todas as grandes mudanças, seja nas artes, ciências, esportes e tecnologia, advêm de pessoas que experimentaram mergulhos neste estado. E que este fato seria uma das causas por trás da realização de feitos aparentemente impossíveis. 

A Regra de Ouro

Sempre sustentado por princípios científicos, Kotler, garante que o Fluxo é algo que pode ser atingido através de gatilhos conscientes, que ele chama de “hacks”. Estímulos que fariam a biologia trabalhar a nosso favor. 

Cientistas da Força Aérea Americana estariam trabalhando na tentativa de criar Estados de Fluxo de forma controlada. Através da estimulação direta, transcraniana, por meio de pulsos magnéticos – uma espécie de “nocaute induzido” -, estariam proporcionando períodos de alta performance em indivíduos por períodos entre 20 e 40 minutos. Estudos semelhantes estariam sendo conduzidos com profissionais investidores da Bolsa de Nova Iorque para que trabalhassem em Estado de Fluxo, o que, no mínimo, traria um novo ponto de influência ao mercado financeiro. 

Enquanto estes e outros estudos científicos avançam, pessoas normais podem aprimorar as condições para mergulhar no Estado de Fluxo. Nesse sentido Steven Kotler nos apresenta sua Golden Rule / Regra de Ouro, que pode ser praticada por todos nós.
Sua regra se baseia no fato de que Estado de Fluxo acontece quando se consegue uma tensão sustentável entre suas ‘Habilidades’ versus o ‘Desafio’ que está sendo enfrentado. O segredo seria trabalhar num canal onde você esteja sendo desafiado num grau que tire o máximo proveito de suas capacidades, sem subutilizar seus talentos. Trabalhar em equilíbrio, de forma que esta tensão “estique mas não arrebente” e te afaste do estado de Tédio – quando o desafio está muito abaixo de suas habilidades – e te afaste do estado de Ansiedade – quando o desafio está muito acima de suas habilidades. 

Sendo assim, a Regra de Ouro de Steven Kotler para atingir o Estado de Fluxo é:

“Se estiver sentindo-se sobrecarregado, alivie-se! Se estiver sentindo-se entediado, desafie-se!”


O Estado de Fluxo pode ser experimentado por pessoas em suas tarefas individuais. E também pode ser experimentado em grupos, em momentos de catarse. Pode melhorar a performance de profissionais e organizações e vem sendo considerado um atributo diferenciador para acompanhar as mudanças do mundo.

As pesquisas conduzidas por Kotler e outros estudiosos talvez representem o início de uma longa jornada de descobertas. Por ora sabemos que traz mais felicidade e mais desempenho. Se aprofundado, o Estado de Fluxo proporciona prazer e engajamento. E se trabalhado em todo o seu potencial, o Estado de Fluxo orientado a propósitos relevantes, pode trazer novos significados para pessoas, líderes e organizações. E assim, pode nos levar para um caminho sem volta. Para o outro lado da nova fronteira humana.


Foto destaque: Divulgação

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